Reduzindo a ameaça das picadas de cobra
A conscientização ainda pode ser a melhor ferramenta para as áreas rurais se protegerem de um problema negligenciado
Em uma manhã chuvosa há dois anos, Mariamma avistou algo se movendo entre a lenha empilhada em sua cozinha, no sul da Índia. Pensando que fosse apenas sua imaginação, ela pegou um punhado de galhos para acender o fogo e sentiu uma dor aguda na mão direita. Demorou um pouco para perceber que havia sido picada por uma cobra.
Incapaz de identificar o tipo de cobra e com medo de que o veneno se espalhasse, sua filha rasgou um pedaço de seu sári e fez um torniquete, amarrando-o no braço de Mariamma. Foi um grave erro. O torniquete improvisado concentrou o veneno e, quando chegaram ao hospital, a meia hora de distância, a mão de Mariamma estava completamente dormente. Ela estava tonta e com náuseas, tinha a visão turva e dificuldade para respirar.
Mariamma recebeu o antídoto por via intravenosa, mas os médicos tiveram que amputar dois dedos. “Nada foi o mesmo desde então”, diz Mariamma. Ela teve que abandonar seu emprego como operária da construção civil na cidade de Tirumangalam e agora sobrevive com trabalhos temporários. “Sou grata por estar viva, mas o lado direito do meu corpo está mais fraco. Estou mais lenta e tenho dificuldade para realizar as tarefas diárias.”

Mulheres em um arrozal encontram uma víbora-de-Russell em Tamil Nadu, Índia.
Foto cedida por Gnaneswar/MCBT
As picadas de cobra são uma das principais causas de morte e invalidez entre os residentes das áreas rurais mais pobres do mundo, matando entre 81.000 e 138.000 pessoas por ano e causando até 400.000 amputações e outros casos de invalidez permanente. No entanto, elas são uma das questões de saúde pública mais negligenciadas globalmente, diz Gnaneswar Ch, líder do projeto de prevenção de picadas de cobra no Madras Crocodile Bank Trust and Centre for Herpetology, perto de Chennai, na Índia.
A falta de atenção ao problema tem dificultado o acesso ao antídoto e os esforços para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, menos onerosos e mais acessíveis. Além disso, espera-se que a perda de habitat e as mudanças climáticas alterem onde e com que frequência as pessoas encontram cobras, levando a uma maior exposição a picadas em algumas regiões. Muitos consideram as campanhas de prevenção e educação realizadas por organizações comunitárias, incluindo os Rotary Clubs, a melhor — e muitas vezes a única — resposta.
Falta de soro antiveneno
Por mais de um século, o principal tratamento tem sido o soro antiveneno, produzido por um método meticuloso que permaneceu praticamente inalterado. O veneno é extraído segurando a cobra pela cabeça e forçando-a a morder a borda de um frasco, fazendo com que o veneno escorra de suas presas. Uma pequena quantidade do veneno é, então, injetada em cavalos, com os anticorpos resultantes sendo coletados e adicionados a soluções intravenosas. Quando administrados em seres humanos, esses anticorpos podem estimular uma resposta imunológica e se ligar a substâncias estranhas, como toxinas, neutralizando-as. Mas o tratamento tem desvantagens.
Alguns pacientes apresentam reações adversas que variam de náuseas e dores de cabeça intensas a choque anafilático, o que significa que o antídoto só deve ser administrado em um hospital. Somado a isso, há o alto custo financeiro para muitas pessoas. O antídoto produzido em uma parte do mundo pode não funcionar bem em outra, uma vez que geralmente só é eficaz para tratar picadas do mesmo tipo de cobra a partir da qual foi produzido. Os estoques podem ser escassos, porque a fabricação do medicamento tem margens de lucro baixas, o que desestimula as grandes empresas a assumirem a produção em massa. Na Índia, apenas algumas empresas o fabricam.
A maior parte do suprimento de veneno da Índia vem de uma única fonte: uma cooperativa industrial de caçadores de cobras chamada Irula Co-op, onde os répteis são armazenados em potes de barro de abas largas, fechados com tecido de algodão e barbante. Localizada no Madras Crocodile Bank Trust, a cooperativa é administrada por 350 membros do grupo tribal Irula, que são especialistas em capturar cobras peçonhentas com segurança.

Um membro do grupo tribal Irula, da Índia, extrai veneno de uma cobra em uma cooperativa que produz a maior parte do suprimento de veneno do país para a fabricação de tratamentos contra picadas de cobra.
Foto cedida por Gnaneswar/MCBT
A Índia, que é responsável por pelo menos um terço das mortes por picadas de cobra, usa um antídoto polivalente desenvolvido a partir de várias espécies que pode tratar uma variedade de picadas, o que é útil quando as pessoas não sabem que tipo de cobra as picou. Na Índia, ele é produzido para picadas das quatro principais cobras: a naja indiana, a kraita comum, a víbora-de-Russell e a víbora-serrilhada. No entanto, nem sempre é eficaz se alguém for picado por um dos muitos outros tipos de cobras existentes no país.
Poucos esforços têm sido feitos para modernizar o tratamento. Mas pesquisadores estão testando um medicamento que pode ser injetado com um dispositivo pré-carregado, semelhante a uma EpiPen. E o maior avanço pode vir de um medicamento para picadas de cobra em testes clínicos chamado varespladib. Ele vem na forma de comprimido, o que facilita sua ingestão no momento da picada, bloqueando e neutralizando uma família de enzimas que são o componente mais letal do veneno e estão presentes em 95% das cobras venenosas do mundo. O medicamento não requer refrigeração como o soro antiveneno.
Em números
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+ de 81.000
Número estimado de pessoas que morrem a cada ano por picadas de cobra
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Década de 1890
Introdução do antídoto
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77%
Porcentagem de vítimas fatais de picadas de cobra na Índia que não conseguem chegar ao hospital
Fique alerta
Por enquanto, evitar picadas de cobra é a melhor solução, dizem os especialistas. A maioria delas acontece quando as cobras são acidentalmente provocadas. “Pessoas em áreas rurais, que têm banheiros externos ou trabalham em campos agrícolas, tendem a ser mais vulneráveis”, alerta Gnaneswar Ch. “Elas podem ser expostas a cobras sem nem perceber.”
Vedhapriya Ganesan, uma reabilitadora de animais selvagens que trabalha com o Rotary Club de Madras Coromandel, na Índia, em projetos de educação ambiental, resgata cobras em Chennai. Ela recebe ligações frenéticas quando as pessoas encontram cobras em suas casas ou em espaços públicos. Como parte de seu trabalho apoiado pelo clube, ela dá palestras para centenas de alunos em escolas e faculdades sobre picadas de cobra. “As crianças são mais vulneráveis”, explica.
Ela os ensina a ficarem atentos ao ambiente ao redor e a não entrarem em pânico. “Eu os oriento a manterem distância e, se a cobra estiver muito perto, ficarem imóveis como uma estátua”, conta ela. “Ela não vai morder, a menos que se sinta ameaçada.”
As picadas de cobra continuarão sendo um problema global, segundo ela, à medida que nossas cidades continuarem se expandindo para o habitat natural dos animais. “Agora, as cobras estão se adaptando para viver ao lado dos seres humanos. E as mudanças climáticas, que tornam os ciclones e inundações severos mais frequentes, também aumentam nossa exposição”, acrescenta. “Em tais situações, a conscientização é uma ferramenta poderosa.”
Rotary Clubs intensificam esforços
Rotary Clubs no Nepal e na Austrália também têm feito campanhas para aumentar a conscientização. Em 2019, o Rotary Club de Kathmandu Mid-Town realizou uma conferência sobre prevenção de picadas de cobra com especialistas internacionais. Em 2020, o clube recebeu um Subsídio Global da Fundação Rotária no valor de US$ 84.000 para apoiar um projeto de conscientização de quatro anos, incluindo spots de rádio.
A ausência de dados robustos sobre casos de picadas de cobra, que são subnotificados, é um desafio no Nepal, relata Nirmal Rijal, integrante do clube de Katmandu. Ele trabalha com outros associados para coletar dados e encaminhar as vítimas para as 120 unidades de saúde no Nepal designadas como centros de tratamento de picadas de cobra, com estoques de antídoto.

Uma naja indiana levanta a cabeça em uma fazenda em Kanchipuram, no sul da Índia.
Foto cedida por Gnaneswar/MCBT
Ele conta com a ajuda do Centro de Sitema de Informação Geográfica para a Saúde da OMS, que usa dados públicos e rastreamento geoespacial para conectar as vítimas ao antídoto. O esforço inclui mapas atualizados da distribuição de todas as cobras venenosas e um banco de dados de antídotos disponíveis que, eventualmente, oferecerá informações sobre os fornecedores.
Na Austrália, o Rotary Club de Melbourne está apoiando a Papua New Guinea Snakebite Partnership, uma iniciativa entre o governo do país e da Papua Nova Guiné, com recursos que incluem refrigeradores carregados por energia solar, respiradores móveis para ambulâncias e treinamento. Em algumas partes da Papua Nova Guiné, as mortes por picadas de cobra são três vezes maiores do que as causadas pela malária ou tuberculose. “Até o momento, mais de 2.000 vidas foram salvas”, informa Anthony Battaini, associado do clube de Melbourne.
Apesar da dor e da perda, Mariamma é grata por ter sobrevivido. Agora, ela aconselha seus vizinhos a limparem o entorno de suas casas. “Procurem lugares onde as cobras possam se esconder e prestem atenção onde colocam as mãos e os pés, especialmente à noite”, enfatiza ela. “Mesmo um pouco de conscientização pode salvar vidas e membros.”
Esta história foi publicada originalmente na edição de maio de 2025 da revista Rotary.