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É hora de prevenir os transtornos do espectro alcoólico fetal

Rotarianos aumentam a conscientização quanto às causas do problema e dão apoio às vítimas

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Os avós, que criaram Tami Eller, notaram alguns sinais preocupantes na neta quando ela tinha 6 meses de idade: sua cabeça era muito pequena e ela não estava atingindo os patamares esperados de crescimento, embora outros aspectos do seu desenvolvimento parecessem normais.

Filha de mãe alcoólatra, Tami foi diagnostica com uma condição dentro dos transtornos do espectro alcoólico fetal (FASD). Este espectro engloba uma série de complicações no feto resultantes da ingestão de álcool pela gestante. Como o problema foi detectado cedo, Tami recebeu ajuda e tratamento no tempo certo. Ela passou por terapia ocupacional e teve educação escolar individualizada, culminando com o seu mestrado em psicologia clínica. Por outro lado, Tami enfrenta desafios diariamente: suas mãos são pequenas demais e seus músculos atrofiados; algumas sensações táteis, como o simples contato com a etiqueta da roupa na pele, lhe causam dor e agonia. Ela não trabalha muito para não comprometer sua saúde.

"Quando pequena, eu tinha consciência de que algo não estava certo. Agora sei que o meu cérebro funciona de modo diferente, e que preciso de certas acomodações. Se eu não tivesse sido diagnosticada tão cedo e recebido os devidos cuidados, provavelmente não teria chegado onde estou."

Por ter conhecimento de causa, Tami se dedica a explicar às pessoas sobre os transtornos do espectro. Ela é diretora adjunta de programas comunitários no Alaska Child and Family, nos EUA, e, em 2019, integrou uma equipe de formação profissional que foi à Austrália Ocidental para colaborar no projeto rotário local chamado Making FASD History. Assim como no Alasca, onde Tami mora, o estado australiano registra altos índices de transtornos do espectro alcoólico fetal.

Enquanto estava na Austrália, Tami observou coisas que costumam acontecer com frequência nas suas apresentações. "Sempre que falo sobre FASD a um grupo grande o suficiente, há sempre alguém que diz, 'Eu sou assim' ou 'Você descreveu alguém que eu conheço'. Quando fizemos uma apresentação para alguns professores australianos, eles disseram que agora entendiam alguns comportamentos que presenciam no seu dia a dia."

O conhecimento sobre FASD percorreu um longo caminho até a identificação da síndrome alcoólica fetal, que é o distúrbio mais pronunciado dentro do espectro, há cerca de 50 anos. Atualmente, sabe-se que os portadores desta síndrome, os quais costumam exibir características faciais distintas, representam somente uma fração da população que foi exposta ao álcool ainda no útero da mãe, revelando que o FASD como um todo é, em grande parte, um problema oculto.

"A síndrome alcoólica fetal é o distúrbio mais visível do espectro, sendo que as características faciais são marcadas em torno da quarta semana de gestação", explica Marilyn Pierce-Bulger, do Alaska Center for FASD, que também integrou a equipe visitante. Apenas 4% das pessoas com exposição pré-natal ao álcool atendem aos critérios para diagnóstico completo da síndrome alcoólica fetal. Os 80% restantes, que são portadores de sequelas cerebrais, não exibem as características faciais associadas ao distúrbio.

Entre os problemas mais sérios dentro do espectro figuram danos ao processamento sensorial, função executiva, controle da atenção, habilidade motora fina, processamento visual e linguístico. Por conta disso, utiliza-se o termo geral transtornos do espectro alcoólico fetal.

Equipe de formação profissional do Alaska em visita a Perth, na Austrália, para auxiliar no enfrentamento do FASD.

Foto: Louise Hancock

FASD é um enorme problema em nível mundial e, na maioria das vezes, aqueles com a condição não tiveram a mesma sorte de Tami. Nos últimos anos, os Rotary Clubs começaram a enfrentar a questão. Na África do Sul, país onde estima-se que haja o maior índice de FASD no mundo, um Subsídio Global contribuiu ao desenvolvimento de um currículo interativo de prevenção e educação esportiva para alertar os jovens sobre os perigos dos transtornos do espectro alcoólico fetal. Em Varsóvia e arredores, na Polônia, outro Subsídio Global propiciou apoio a famílias e a estabelecimentos que cuidam de crianças com FASD, os quais fornecem serviços como fonoaudiologia e psicoterapia.

Os associados do Rotary decidiram se envolver porque estavam preocupados com "a destruição de tantas vidas e as pressões que o FASD exerce sobre os moradores de algumas comunidades muito pobres", diz Bruce Dufty, do Rotary Club de Western Endeavour, na Austrália. Em algumas comunidades predominantemente indígenas, 20% das crianças foram diagnosticadas com distúrbios relacionados à exposição ao álcool no período pré-natal.

Em 2015, Bruce passou a visitar vários lugares para estabelecer um grau de confiança entre a população. Periodicamente, ele dirige nove horas de Perth à pequena cidade de Leonora, localizada numa região com 16 línguas autóctones, onde uma em cada sete pessoas pertence a uma comunidade aborígene.

"Quando começamos", lembra Louise Hancock, do Rotary Club de Osborne Park, na Austrália, e presidente do programa Making FASD History, "não tínhamos ideia da magnitude do nosso trabalho e de quanto tempo e esforço seriam necessários. Este é o maior projeto já empreendido pelo nosso clube."

Em 2018, a governadora eleita do Distrito 5010, Diane Fejes, que é do Alasca, participou da Assembleia Internacional, que é o grande treinamento para os próximos governadores de distrito. Em conversa com seu colega australiano, Charles Johnson, ela ficou sabendo do programa Making FASD History.

"Percebemos que tínhamos os mesmos problemas, como um vasto território a cobrir", lembra Diane, "somado ao consumo de álcool em populações vulneráveis e à forma como o FASD afeta seus portadores pelo resto da vida. Assim, o melhor método preventivo é a mãe não ingerir bebida alcoólica durante a gravidez. A solução é simples, porém, difícil de se implementar."

Aquele diálogo, junto com a avaliação da comunidade iniciada por Bruce, levou à equipe de formação profissional. O pedido de subsídio foi solidamente embasado graças aos anos de envolvimento da comunidade.

“O FASD é prevenível. É isso que precisamos ter em mente.”

Em números

  1. 90

    das pessoas expostas a substâncias alcoólicas ainda no útero não apresentam sintomas físicos de distúrbio

  2. $1 bilhão

    é o custo anual estimado no Alasca com o cuidado de pessoas com FASD

  3. 16%

    das crianças de Leonora, na Austrália, nasceram com FASD

A equipe foi à Austrália para ensinar como reconhecer, prevenir e lidar com os distúrbios. "Organizamos uma sessão com 120 policiais entusiasmados em saber mais sobre o assunto", recorda Louise.

"As pessoas vieram de todos os lugares", informa Michael Jeffery, do Rotary Club de Barrow (Nuvuk), nos EUA, que integrou a equipe. "Foi preciso mudar o local do encontro algumas vezes para acomodar o número crescente de participantes. Nós também fomos à Conferência Distrital deles para falar sobre o assunto aos rotarianos do estado inteiro. O sucesso foi enorme."

Além dos visitantes do Alasca, a programação do Making FASD History teve avaliação e diagnóstico de crianças de Leonora, e sessão sobre prevenção e intervenção logo cedo.

"Provavelmente, o destaque da programação foi a prevenção do mal", diz Bruce. "E já estamos colhendo benefícios, na forma de evitar a gravidez precoce."

"O FASD é prevenível", afirma Marilyn. "É isso que precisamos ter em mente."

Resta saber se os nossos resultados atingirão êxito semelhante ao de um projeto de fora do Rotary no Vale Fitzroy, na Austrália Ocidental, que contribuiu ao declínio (de 61% para 32%) do número de mulheres que relataram ter ingerido álcool durante a gravidez. No mínimo, a nossa iniciativa colocou o assunto em pauta.

"Estamos satisfeitos por termos feito uma diferença significativa numa cidade tão remota", festeja Louise. "Agora, esperamos que os serviços tradicionais de saúde deem sequência ao nosso trabalho e levem iniciativas do tipo a outras regiões, e que em 2023 possamos enviar uma equipe nossa ao Alasca."

Artigo publicado na edição de agosto de 2022 da revista Rotary.

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