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Abrindo mão do poder

Ao cederem parte do controle, os filantropos podem ter um impacto ainda mais positivo

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Quando a Global Alliance for Clean Cookstoves foi fundada, em 2010, ela atraiu a atenção de doadores com vastos recursos financeiros devido à sua meta audaciosa de distribuir 100 milhões de fogões “limpos” para famílias carentes e povoados rurais ao redor do mundo. A revista The New Yorker definiu o movimento para a criação desse tipo de eletrodoméstico como “a busca por um fogão capaz de salvar o mundo”.

Mas, depois de 8 anos e US$ 75 milhões, ficou claro que a aliança estava bem distante de alcançar suas metas. Ela vinha fabricando e distribuindo os fogões dentro do prazo, mas estava enfrentando uma dificuldade inesperada: as pessoas não queriam usá-los. Uma mulher relatou a um jornalista que o fogão “limpo” simplesmente não cozinhava a comida do jeito que ela queria, enquanto outra afirmou que o processo era muito lento.

Esse tipo de história é muito comum no mundo da filantropia. Muitas vezes, um plano ambicioso e com a melhor das intenções acaba apresentando um defeito fatal: as pessoas que estão no centro do problema não foram suficientemente consultadas. No entanto, um número cada vez maior de filantropos está começando a fazer as coisas de um jeito diferente, usando um modelo chamado de grantmaking participativo.

O grantmaking participativo é o processo de transferir o poder de decisão sobre a concessão de subsídios às comunidades mais afetadas por eles. Trata-se de uma solução estrutural para a dinâmica de poder desequilibrada do processo tradicional de concessão de subsídios – uma maneira de transformar a filantropia, fazendo com que ela deixe de ser fechada, obscura e liderada por especialistas e passe a ser aberta, transparente e liderada pela comunidade.

Meg Massey e Ben Wrobel são os autores do livro Letting Go: How Philanthropists and Impact Investors Can Do More Good by Giving Up Control. Saiba mais.

Colocando a participação em prática

O elemento-chave de qualquer processo de grantmaking participativo é o fato de que o financiador dá voz às pessoas que normalmente não participam das decisões. Todo processo de concessão de subsídios, em seu nível mais fundamental, tem três pontos de decisão principais: criar uma teoria da mudança global, desenvolver um fluxo de ideias e decidir quais dessas ideias devem ser financiadas. O grantmaking participativo se resume a uma série de escolhas que os financiadores podem fazer em cada um desses pontos de decisão para incorporar sistematicamente as vozes da comunidade.

A criação de uma teoria da mudança global, seja para um único programa de concessão de subsídios ou para uma organização inteira, deve começar com as necessidades da comunidade. As ferramentas do Rotary para identificar necessidades incluem várias melhores práticas de empoderamento das comunidades para a definição de suas prioridades. Uma comunicação clara sobre como o envolvimento de uma pessoa ou um grupo afetará de modo significativo a avaliação é essencial no cultivo da confiança necessária para que qualquer prática participativa tenha sucesso.

A Brooklyn Community Foundation oferece outro exemplo. Representantes visitaram residências de todos os bairros desse distrito da cidade de Nova York para perguntar aos moradores a que áreas os fundos deveriam ser destinados. Em seguida, eles apresentaram as opiniões que ouviram em uma série de eventos e incentivaram debates e discussões, culminando em uma votação realizada pelos membros da comunidade.

O próximo ponto de decisão: desenvolver um fluxo de ideias. Geralmente, os subsídios são destinados de modo desproporcional a organizações sem fins lucrativos que dispõem do pessoal e dos recursos para atrair financiadores em potencial, sendo que muitas vezes os critérios refletem a instituição, e não a comunidade. Nesse estágio, já vimos financiadores transferirem com êxito o poder às comunidades ao convidar membros dela para participar do desenvolvimento dos critérios usados para determinar a alocação dos subsídios e ao delegar a eles a tarefa de obter solicitações de organizações menores e mais novas.

O FRIDA: The Young Feminist Fund, que apoia o ativismo feminista de jovens no chamado Sul Global, mantém um fluxo constante de ideias ao conectar os ativistas de uma mesma região que se candidatam. Os candidatos são incentivados a votar em outras candidaturas, fornecendo insights que servirão de embasamento para as futuras decisões do FRIDA com relação aos pedidos de subsídios. Em outras palavras, seu processo reconhece o conhecimento que outros beneficiários de subsídios têm a respeito da própria comunidade.

Incentivar os membros da comunidade a decidir quais ideias devem ser financiadas é considerado por alguns a forma mais “pura” de grantmaking participativo. Os membros da comunidade podem participar de todo o processo, inclusive da votação final, ou de apenas alguns elementos, como o processo de análise de pedidos para a definição de uma lista final de candidatos.

O Disability Rights Fund (DRF) é um exemplo bastante útil. Assim como é o caso do Rotary, sua comunidade é diversificada. O DRF atua em 38 países, e “disability” (deficiência) pode se referir a centenas de desafios diferentes. Isso sem levar em conta a interseção de identidades de raça/etnia, classe, gênero e religião, entre outras.

Para garantir a representação, metade da comissão de concessão de subsídios do DRF é composta de ativistas que defendem os direitos dos deficientes, os quais se revezam em mandatos de duração fixa. Os outros 50% são financiadores e funcionários do DRF. Para selecionar os ativistas, o DRF trabalha em parceria com uma organização internacional de grupos de direitos dos deficientes. O DRF reconhece que se trata de um processo iterativo: a organização está constantemente fazendo ajustes para maximizar a participação de seus membros. Mas, com a participação, o processo é a questão mais importante.

O que seria necessário para chegar a um ponto em que 10% dos dólares filantrópicos sejam alocados por ativistas, líderes de organizações sem fins lucrativos e membros de comunidades, e não por profissionais da filantropia?

Tudo começa com um esforço para se desapegar. Acima de tudo, é necessária uma dose generosa de humildade: um reconhecimento por parte do financiador de que ele não tem todas as respostas.

Encontre as ferramentas para identificar as necessidades da comunidade do Rotary.

• Artigo extraído da edição de abril de 2022 da revista Rotary.