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Comida do futuro

Será que a fruta-pão, com seu nome curioso, pode alimentar um mundo cada vez mais quente?

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Quando se trata de fontes de alimentos capazes de resistir a um clima em constante mudança, há uma cultura visivelmente curiosa: a fruta-pão, um alimento arredondado verde e de casca áspera, nativo do Arquipélago Malaio, que é surpreendentemente versátil e repleto de nutrientes. 

A fruta rica em amido, há muito tempo consumida nos trópicos, está atraindo um novo interesse em todo o mundo à medida que agricultores e cientistas buscam culturas mais resistentes e, ao mesmo tempo, nutritivas. A necessidade é grande.  Quase metade das calorias alimentares do mundo vem de apenas três culturas: arroz, trigo e milho. Mas esses três alimentos básicos são vulneráveis ao calor extremo, às oscilações pluviais e a outros efeitos das mudanças climáticas. Pesquisadores estimam que a produção de trigo e milho poderá diminuir a partir de 2030. 

Na busca pelo alimento do futuro, os agricultores estão redescobrindo culturas antigas, como amaranto e feijão-caupi, e desenvolvendo híbridos, como avocado e melão, que usam menos água. E há também a fruta-pão. A árvore que produz o fruto pode resistir à seca e ao calor e prospera em condições chuvosas. Uma única árvore pode produzir 300 frutos ao ano por até um século, sendo que apenas um desses frutos, cujo interior é semelhante a uma batata, fornece carboidratos suficientes para alimentar uma família de quatro pessoas. A fruta também é rica em fibras, minerais e vitaminas. 

Mike e Mary McLaughlin, fundadores da Fundação Trees That Feed, examinam uma das primeiras árvores de fruta-pão que plantaram na Jamaica há mais de uma década.

Foto cedida pela Fundação Trees That Feed

Em função das mudanças climáticas, os Rotary Clubs perceberam o potencial da fruta-pão para combater a insegurança alimentar. Depois que o furacão Dorian devastou as Bahamas em 2019, destruindo casas, fazendas e meios de subsistência, os moradores receberam quase 5 mil árvores de fruta-pão com o apoio dos Rotary Clubs de St. Catharines South, Canadá; Niagara Falls Sunrise, também no Canadá; e Abaco, Bahamas. 

Por meio da parceria dos Rotary Clubs com a Fundação Trees That Feed, uma organização sem fins lucrativos com sede em Illinois, EUA, que tem como objetivo plantar um milhão de árvores frutíferas em locais que enfrentam insegurança alimentar e pobreza, eles também se envolveram em esforços para plantar árvores de fruta-pão na Jamaica, no Haiti e no Paquistão. 

“Como as mudanças climáticas globais afetam milhões de pessoas e a fome de muitas se deve à falta de alimentos sustentáveis, este é um dos projetos mais importantes apoiados pelo Rotary”, diz Cathy Henry, associada do clube St. Catharines South.

À esquerda: a fruta-pão, que é verde e espinhosa, está ganhando atenção por sua resiliência climática. Imagem: Getty Images. À direita: o cofundador da Fundação Trees That Feed, Mike McLaughlin (à esquerda), e Robin Rhoden, da Sydney Pagon STEM Academy, na Jamaica, com um desidratador movido a energia solar projetado para preservar a fruta-pão. Imagem: Fundação Trees That Feed.

Embora a resistência climática da fruta-pão só esteja sendo reconhecida agora, a população do Pacífico Sul a consome há milhares de anos. Um dos contos marítimos mais famosos da história, sobre o motim no HMS Bounty, diz que o navio estava transportando mudas de fruta-pão do Taiti para que as colônias britânicas no Caribe pudessem cultivar alimentos baratos para as pessoas escravizadas. (Uma versão da história diz que o tenente William Bligh estava estocando água potável para a fruta-pão, e não para a tripulação.) As mudas de fruta-pão não resistiram ao motim, mas Bligh sobreviveu e, em uma viagem posterior, em 1793, conseguiu levar 678 delas à Jamaica e a St. Vincent.

Em números

  1. 80-100 anos

    Vida útil de uma árvore de fruta-pão

  2. Cerca de 500 quilos

    Quantidade de frutos que algumas variedades produzem por árvore

  3. Século XVIII

    Introdução da fruta-pão no Caribe

Apesar de uma história sombria ligada à escravidão, a fruta se tornou um elemento básico da culinária caribenha e hoje é a base de vários pratos adorados na ilha. Parente próxima da jaca, pode ser cozida no vapor, assada, frita ou fermentada, bem como seca e moída até virar farinha. E como as árvores duram décadas, as pessoas em algumas regiões as plantam quando os filhos nascem para garantir que eles tenham alimento para o resto da vida.  

Mesmo com o aquecimento da Terra, estima-se que as árvores de fruta-pão continuem produzindo frutos em um ritmo consistente, de acordo com uma pesquisa da Universidade Northwestern, em Illinois, EUA. Além disso, o aumento do aquecimento poderia permitir que as árvores fossem plantadas em latitudes mais distantes do equador. "Há vinte anos, quase não havia fruta-pão ao norte das Keys, na Flórida, ou, se havia, não sobrevivia por muito tempo", informa Mary McLaughlin, que criou a Fundação Trees That Feed com seu marido, Mike. “Agora, estamos vendo a fruta-pão florescer mais ao norte, até Fort Lauderdale.”  

As próprias árvores têm benefícios climáticos, captando dióxido de carbono por meio da fotossíntese e devolvendo oxigênio ao ar. Quando a fruta-pão é cultivada ao lado de outras culturas em uma estratégia conhecida como agrofloresta, ela cria uma espécie de “despensa viva” que não apenas beneficia os agricultores, mas também tende a captar mais carbono, diz McLaughlin. 

O envolvimento dos associados do Rotary com a Fundação Trees That Feed começou na Jamaica em 2009, depois que Henry, o rotariano de Ontário, conheceu McLaughlin por meio de um amigo em comum. Esse primeiro projeto doou árvores para escolas e pequenas fazendas diversificadas que já cultivavam uma variedade de outras culturas. Ao longo dos anos, cerca de 30 Rotary Clubs firmaram uma sólida parceria com a organização, que os considera importantes parceiros financeiros e locais.  

Mas esse esforço não tem a ver só com o transporte e o plantio de árvores. Hoje, a Fundação Trees That Feed está ajudando as comunidades a estabelecer operações para desidratar a fruta-pão a fim de conservá-la por mais tempo e moê-la para produzir farinha sem glúten, que pode ser usada para inúmeras finalidades, desde biscoitos e pães até sobremesas. Uma vez colhida, a fruta-pão tem uma vida útil curta. Então, Mike McLaughlin criou um desidratador movido a energia solar, com a ajuda de estudantes da Universidade Northwestern, para processar frutas extras. O projeto da máquina pode ser baixado gratuitamente no site do grupo. 

A organização também está ajudando mulheres a se tornarem vendedoras de produtos derivados da fruta-pão, criando pequenos negócios. “Falamos com mulheres que disseram que o dinheiro obtido com as frutas das árvores que plantamos está ajudando a pagar as mensalidades das escolas de seus filhos. Elas também estão conseguindo comprar sapatos e roupas para eles”, diz Mary McLaughlin. Segundo ela, um fazendeiro jamaicano está usando suas árvores como um fundo de pensão vivo, permitindo que os clientes apanhem as frutas e paguem pelo que colhem.

À esquerda: agricultora planta uma árvore de fruta-pão no Haiti. Imagem: Fundação Trees That Feed. À direita: Ed Rice, associado de longa data do Rotary Club de Rochelle, EUA, demonstra como fazer farinha de fruta-pão no Haiti. Imagem: Fundação Trees That Feed.

Talvez uma das maiores histórias de sucesso da Fundação Trees That Feed e dos Rotary Clubs tenha sido no Haiti. O Rotary Club de Rochelle, EUA, ajudou a liderar o esforço há cerca de 12 anos, quando comprou árvores de fruta-pão para plantar no país insular. O Rotary Club de Calgary at Stampede Park, Canadá, também tem sido uma grande fonte de financiamento das árvores de lá.

Em janeiro, o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas confirmou uma encomenda de 15 toneladas de farinha de fruta-pão de uma empresa no Haiti para o seu programa de alimentação escolar no país. O recente sucesso é um testemunho da ênfase em garantir que o projeto seja sustentável para que as comunidades eventualmente possam assumir o controle. 

“É mais ou menos como ensiná-los a pescar em vez de lhes dar o peixe”, diz Brenda McKinley, do clube Calgary at Stampede Park. “A Fundação Trees That Feed não apenas lhes dá a árvore, mas também a educação sobre como plantá-la, como cuidar dela, o que fazer com a fruta.” 

O clube de Calgary compra 300 frutas-pão por mês de Pierre Moise Louis, um empreendedor haitiano orientado pela Fundação Trees That Feed. Louis cultiva as árvores em um viveiro e orienta os agricultores sobre os cuidados com elas. Ele assa konparèts, um pão de farinha de fruta-pão que faz em sua padaria e doa para escolas. 

“Todo o projeto veio de uma ideia simples de alguém que disse: ‘Vamos plantar árvores que alimentem as pessoas'”, relata Henry. “O Rotary é respeitado em todo o mundo e tem contatos em muitos países. Para nós, é fácil ajudar onde for necessário, doando ou plantando uma árvore, ensinando os jovens sobre a importância do meio ambiente e alimentando famílias.”

Artigo publicado na edição de abril de 2024 da revista Rotary.

O Grupo Rotary em Ação por Soluções Alimentícias pode fornecer recursos para ajudar a combater a fome, a desnutrição e a insegurança alimentar.


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