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Agentes de mudança da África

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A chegada dos primeiros bolsistas ao novo Centro Rotary pela Paz em Kampala, Uganda, marca o início de uma nova era para o Rotary e o continente.

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Na última semana de fevereiro, em Kampala, Uganda, 15 Bolsistas Rotary pela Paz se reuniram na Makerere University para a sessão inaugural do novo Centro Rotary pela Paz. Entre eles, o primeiro grupo do Centro Rotary pela Paz representava 11 países e falava, além de inglês, uma dezena de línguas africanas, incluindo luganda, suaíli e zulu. “Vindo de origens diversas, mas com um desejo comum pela paz na África, eles são a personificação da unidade na diversidade”, disse Anne Nkutu, associada do Rotary Club de Kampala Naalya e coordenadora da área do Centro Rotary pela Paz da Makerere University.

Com uma idade média de 40 anos quando foram admitidos no programa, os bolsistas não são pacificadores iniciantes. Eles são profissionais estabelecidos com um mínimo de cinco anos de experiência em paz e desenvolvimento. Eles chegaram à Makerere University, que conta com um programa estabelecido em estudos de paz e conflitos, já trabalhando em uma iniciativa (ou com uma ideia em mente) que promove a paz ou a mudança social em seu local de trabalho ou comunidade. “Os bolsistas estão mais interessados no lado prático da consolidação da paz”, disse Helen Nambalirwa Nkabala, diretora do Centro Rotary pela Paz. “Eles querem ver como as coisas são feitas, diferentemente dos nossos alunos regulares, que estão mais interessados nos aspectos teóricos. Por isso, os bolsistas são vistos como, e de fato são, agentes de mudança”.

Antes de chegar a Makerere, os bolsistas iniciaram seus estudos com uma sessão on-line de duas semanas, a primeira etapa do novo programa de aperfeiçoamento profissional de um ano do Rotary em consolidação da paz, transformação de conflitos e desenvolvimento. (O Centro Rotary pela Paz da Chulalongkorn University, em Bangkok, que antes oferecia uma versão de três meses do programa de aperfeiçoamento profissional, também adotou esse novo modelo.) Após a sessão de 10 semanas em Kampala, eles voltarão para casa para começar a implementar suas iniciativas de mudança social, mantendo contato periódico com seus instrutores e colegas bolsistas. Eles retornarão a Makerere no início de 2022 para concluir o programa.

Este ano, enquanto eles se preparavam para a viagem a Kampala, a revista Rotary conversou com seis bolsistas via Zoom e WhatsApp. As conversas foram um curso intensivo de história e política africanas. Elas também foram uma inspiração, dando uma ideia das possibilidades que existirão na África quando esses bolsistas (bem como aqueles que virão nos próximos anos) concluírem seus estudos em Makerere e se espalharem pelo continente para compartilhar o que aprenderam.

 

A sessão de 10 semanas em Kampala “permitiu que os bolsistas interagissem e compartilhassem experiências dentro e fora da sala de aula”, disse Helen Nambalirwa Nkabala, diretora do Centro Rotary pela Paz.

Patience Rusare

Na primeira vez que Patience Rusare encontrou o tribalismo em sua terra natal, o Zimbábue, ela estava na primeira série. Como membros da tribo xona que viviam em Bulawayo, uma cidade dominada pelo povo ndebele, sua família não falava a língua local tão bem quanto seus vizinhos. “Respondi a uma pergunta na aula, e as outras crianças riram e me chamaram de um nome pejorativo”, lembra Rusare, agora com 32 anos. “Fui para casa e perguntei aos meus pais: ‘Tem alguma coisa errada com a gente?’ Dava para ver que as tensões vinham de casa e que as crianças as levavam para a escola”.

Como jornalista no Zimbábue, Patience Rusare usou suas reportagens para ajudar a moldar políticas públicas para fins justos e equitativos.

Vinte e cinco anos depois, Rusare é editora e jornalista política sênior do The Patriot, um jornal de Harare. Em 2013, depois de anos escrevendo matérias sobre negócios, ela mudou seu foco. Rusare começou a cobrir conflitos, sejam crises políticas em Lesoto e Mali em 2014 e 2015, eleições hostis em Uganda em 2016 ou um golpe de Estado em seu país natal, o Zimbábue, em 2017, muitas vezes identificando questões de décadas anteriores para explicar a situação atual.

“As pessoas não estavam tomando decisões informadas”, diz Rusare. “E essa falta de informação pode deixar as pessoas desesperadas e fáceis de manipular”. Ao escrever de maneira imparcial, ela começou a ver uma correlação direta entre as informações de suas matérias e as políticas públicas. Em Lesoto, diz Rusare, a mediação de uma organização intragovernamental sediada em Botswana, chamada Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, levou a uma resolução que foi influenciada por uma matéria escrita por ela para o The Patriot. “Sinto que realmente causei uma mudança positiva naquela parte do mundo”, ela afirma. “A paz em Lesoto tem sido duradoura.”

Quero que meus filhos cresçam em um ambiente onde todas as pessoas se amem, independentemente dos grupos étnicos a que pertencem. Eles saberão que somos todos diferentes, mas ao mesmo tempo somos todos um povo só.


Em 2019, na esperança de aprender “o essencial das negociações de paz”, ela fez um mestrado em paz, liderança e resolução de conflitos. “Eu me comprometi a usar a mídia para criar um mundo mais justo e pacífico”, diz Rusare.

Com as eleições especiais – que seriam em 2020, mas foram remarcadas – se aproximando no Zimbábue, o mesmo conflito tribal que Rusare testemunhou quando criança continua. Por meio de sua iniciativa de mudança social, ela quer mudar a abordagem do jornalismo no Zimbábue. “Temos que nos livrar da ideia de que somente o sensacionalismo vende e trabalhar como praticantes da paz”, diz ela. “Uma matéria positiva sobre a paz pode levar as pessoas a comprar um jornal, desde que seja interessante e de qualidade”. Seu plano é treinar 20 jornalistas na arte da reportagem de conflitos – um grupo de jornalistas ndebele e xona trabalhando juntos – e encarregar cada um deles de sair e orientar jornalistas do seu próprio povo até que a abordagem se estenda por todo o país e além.

“Não quero que meus filhos passem pelo que eu passei”, diz Rusare sobre seus filhos de 8 e 3 anos. “Quero que eles cresçam em um ambiente onde todas as pessoas se amem, independentemente dos grupos étnicos a que pertencem. Eles saberão que somos todos diferentes, mas ao mesmo tempo somos todos um povo só.”

Peter Pal

Falar sobre trauma simplesmente não faz parte da personalidade de Peter Pal. Quando ele fala de suas experiências angustiantes, como fugir de uma guerra civil no Sudão em 1989, ver membros da família e amigos morrerem, passar 11 anos em um campo de refugiados na Etiópia com o objetivo único de sobreviver, seu pragmatismo e franqueza surpreendem. “Você aprende a passar por isso para ser forte”, diz ele.

Então, quando Pal fala sobre o dia em 2001 quando ele deixou o acampamento e imigrou para a Austrália, talvez você imagine que ele jamais olharia para trás. Mas não é o caso. “Quero dar estabilidade ao Sudão do Sul e melhorar a vida das pessoas que vivem lá”, diz Pal, que hoje tem 52 anos. “Se eu tiver a oportunidade de ajudar, farei isso, porque sou um deles”.

Como educador comunitário da Comissão Eleitoral do Estado de Vitória, no sudeste da Austrália, Pal realizou treinamentos sobre consolidação da paz e diplomacia. “O processo eleitoral é fundamental para um bom governo, para escolher a liderança certa e aprender a exercer a democracia”, afirma. “As pessoas têm o direito de tomar a decisão final sobre o que é certo para elas”. Quando ouviu falar das Bolsas Rotary pela Paz, ele reconheceu uma oportunidade de usar suas habilidades em âmbito global e retornar ao seu país, a quase 13.000 quilômetros de distância.

Agora morando na Austrália, Peter Pal pretende retornar ao Sudão do Sul em uma missão de consolidação da paz.

Em uma viagem ao Sudão do Sul em 2017, Pal ficou chocado ao descobrir que áreas rurais que antes estavam em boa situação haviam sido urbanizadas sem as instalações de saúde e oportunidades educacionais necessárias. Pequenas cidades foram completamente negligenciadas pelo governo. Ele pretende combater essa negligência promovendo a paz, não só a ausência de guerras e lutas tribais, mas uma estabilidade no dia a dia, em que serviços essenciais como saúde, comida e água estejam disponíveis. “Sem essas coisas, as pessoas sempre lutarão entre si”, diz Pal. “É apenas quando existe esse tipo de paz que você tem a oportunidade de plantar as sementes da educação”.

Como parte de sua iniciativa de mudança social, Pal pretende trabalhar com pacificadores profissionais para explorar resoluções alternativas para as disputas. Um foco especial é a necessidade de restaurar a dignidade das vítimas mais vulneráveis da crise contínua no Sudão do Sul: as mães e as crianças. “A ignorância continua a desumanizá-las na África”, afirma Pal. “As mulheres continuam dando à luz crianças que não têm a oportunidade de prosperar. E, embora não façam parte da política, são elas que sofrem quando as pessoas morrem em uma guerra irresponsável.”

Apesar de tudo o que Pal passou, ele continua com esperança. E por que não? Vinte anos atrás, ele fugiu de uma violenta guerra civil na África, e agora voltou para uma missão de consolidação da paz. “Se não formos otimistas, continuaremos nos concentrando apenas no nosso próprio bem em vez de buscarmos alternativas que possam ser aplicadas para a melhoria de toda a sociedade”, diz ele. “Não apenas no Sudão do Sul, mas na África e no mundo.”

Fora da sala de aula, os bolsistas visitaram as favelas densamente povoadas de Kampala (mostradas aqui) e também o assentamento de refugiados Bidi Bidi, localizado perto da fronteira de Uganda com o Sudão do Sul.

Jew Moonde

A Zâmbia, país democrático no sul da África, não é conhecida por seu histórico de direitos das mulheres. Como explica Jew Moonde, os valores patriarcais profundamente enraizados no país têm, tradicionalmente, subjugado as mulheres de várias maneiras, algumas delas violentas e outras sistêmicas. A discriminação de gênero foi tecida na sociedade zambiana, diz ele, e como resultado, quando chega a época das eleições, as vozes das mulheres não são ouvidas.

Entre outras coisas, Jew Moonde espera retornar à Zâmbia, sua terra natal, como um defensor dos direitos das mulheres.

““As mulheres nunca tiveram uma participação justa no processo eleitoral”, disse Moonde, que hoje tem 50 anos e é gerente de paz e conflito da Comissão Eleitoral da Zâmbia. “E, se as mulheres não estiverem engajadas no processo político, suas queixas continuarão aumentando. É hora das mulheres se posicionarem politicamente”.

As recentes eleições da Zâmbia foram marcadas pela violência e intimidação, o que parte o coração de Moonde. Por quase metade de sua vida, o nativo de Lusaca tem sido consultor do Centro de Diálogo Interpartidário da Zâmbia (ZCID). Trabalhando nessa ONG sediada em Lusaca, ele se dedica a construir uma infraestrutura para garantir eleições livres e justas, seja se reunindo com políticos para sensibilizá-los sobre o desequilíbrio de gênero ou treinando pessoas para o gerenciamento de conflitos no processo eleitoral. Depois de duas décadas, muitas das propostas de reforma legal do ZCID já foram transformadas em lei pelo parlamento.

Se você quer que a mudança aconteça, fortaleça as pessoas com o conhecimento de que elas têm o direito a algo.


Mas envolver as mulheres no processo político é apenas parte da missão de Moonde. Ele quer que a geração mais jovem se envolva também. “A política é predominantemente para os mais velhos na Zâmbia”, explica Moonde, que se formou em psicologia e estudos sobre paz e conflito. “Os jovens desempregados, ao mesmo tempo que causam a violência, também são vítimas dela”. Para engajá-los, o ZCID se concentra em campanhas nas redes sociais e em estações de rádio comunitárias voltadas para jovens. Além disso, a ONG auxilia jovens a desenvolver habilidades que possam um dia ajudá-los a encontrar uma carreira gratificante. “Se você quer que a mudança aconteça, fortaleça as pessoas com o conhecimento de que elas têm o direito a algo”, diz Moonde.

Se tudo correr como o planejado durante sua Bolsa Rotary pela Paz, Moonde deseja adquirir os conhecimentos necessários para ajudar a transformar o ZCID em um órgão oficial: uma estrutura de paz permanente que ofereça uma plataforma oficial para o diálogo e a mediação na política zambiana. “Estou começando a ouvir políticos e jovens falando, exercendo seus direitos de expressão”, diz Moonde. “Isso nos mostra que o que fazemos tem impacto nas pessoas. Ninguém vai ajudar os zambianos a menos que eles próprios se ajudem.”

Paul Mushaho

Existem mais de 11.000 Rotaract Clubs em todo o mundo. Um deles está em um assentamento de refugiados na África. Fundado em 2016 em Nakivale – um enorme campo rural no sudoeste de Uganda, onde cerca de 150.000 pessoas vivem em mais de 75 aldeias espalhadas por uma área que tem aproximadamente o tamanho de Calcutá –, o clube tem associados de meia dúzia de países africanos. “Nakivale é como uma versão em miniatura da ONU”, diz Paul Mushaho, cofundador do clube. “As pessoas fugiram de suas casas por causa da guerra e sofreram traumas para chegarem até aqui”.

Em 2016, Mushaho, um estudante formado em sistema de informação de gestão e engenharia da computação, fugiu da República Democrática do Congo, sua terra natal, após receber ameaças de morte de uma milícia Mai-Mai. Logo depois de chegar a Nakivale, Mushaho viu oportunidades para melhorar a qualidade de vida dos refugiados. Dois de seus primeiros projetos foram um serviço de transferência de dinheiro e uma empresa de apicultura que vendia mel. Esse segundo projeto chamou atenção de rotarianos em Kampala.

Depois de estabelecer um Rotaract Club empreendedor em um campo de refugiados em Uganda, agora Paul Mushaho pretende usar as habilidades adquiridas em Makerere para realizar feitos ainda maiores.

Logo, com a ajuda do American Refugee Committee (hoje conhecido como Alight) e de Rotary Clubs em Uganda e Minnesota, Mushaho conseguiu fundar seu próprio Rotaract Club em Nakivale. Seus associados ensinam habilidades agrícolas e de alvenaria, plantam árvores, entregam cobertores e colchões para pessoas que acolheram crianças órfãs e já estabeleceram um centro comunitário para mulheres. “Eu digo a eles: tudo o que demos a vocês é um agradecimento por tudo o que vocês fazem na comunidade ”, afirma Mushaho.

Mushaho, um jovem carismático de 29 anos, tem uma capacidade quase sobrenatural de encontrar maneiras de ajudar. Quando viu que a população idosa do campo se encontrava marginalizada, ele organizou almoços nos quais as pessoas poderiam compartilhar suas experiências como ex-diplomatas, engenheiros, professores e médicos. Quando ele percebeu que jovens refugiados de diferentes nacionalidades não estavam interagindo, ele ajudou a organizar um torneio de futebol. Mais recentemente, a equipe de Mushaho fabricou e entregou 14.000 máscaras e 8.000 sabonetes para diminuir a disseminação da covid-19 em Nakivale. “Vejo pessoas felizes simplesmente por receberem o que deveriam receber”, diz Mushaho. “Estamos dando esperança a pessoas que haviam perdido a esperança”.

Em 2018, Mushaho foi convidado para a sede das Nações Unidas na África, em Nairóbi, onde foi homenageado como uma das seis Pessoas em Ação: Jovens Inovadores do Rotary. “Nossa comunidade de refugiados percebeu que nossos desafios locais precisavam de soluções locais”, disse ele em seu discurso. “Não somos pedintes; somos uma geração de mudança e inspiração.”

Em Makerere, Mushaho vê um reflexo de seu ambiente em Nakivale, onde ele estava cercado de pessoas inovadoras e multiculturais, cheias de ideias e energia, todas buscando formas de derrubar barreiras que inibiam a promoção da paz. “A bolsa tem muitas semelhanças com o que estou fazendo no campo”, afirma Mushaho. “Quando eu voltar, saberei como enfrentar diferentes desafios em diferentes comunidades com base em suas normas e crenças. Meus sonhos e esperanças não poderiam estar mais satisfeitos.”

Catherine Baine-Omugisha

"Se as pessoas não estiverem calmas, ninguém vai chegar a lugar nenhum”, diz Catherine Baine-Omugisha. Neste caso, a advogada de 45 anos de Kampala está se referindo à sua especialidade jurídica – a mitigação de conflitos e a resolução apropriada de disputas em questões familiares –, mas ela também poderia estar falando do próprio caminho pessoal que trilhou.

Catherine Baine-Omugisha, uma advogada de Kampala especializada em resolução de conflitos, quer se concentrar na prevenção da violência doméstica.

Com sua conduta serena e abordagem pragmática, Baine-Omugisha cresceu no mundo do direito em Uganda, que costuma ser dominado por homens. Ela já atuou como magistrada, professora, consultora técnica no Ministério da Justiça e de Assuntos Constitucionais e, atualmente, tem a própria empresa de consultoria em Kampala.

Durante toda essa trajetória, sua abordagem sempre foi a mesma: manter a compostura. Ouvir, incentivar outras pessoas e buscar soluções. Estar aberta para explorar uma nova forma de fazer as coisas. Fazer testes. Se der certo, adotar essa mudança. Em 2000, enquanto atuava como magistrada no Tribunal Magistrado Superior de Masaka, no sul de Uganda, Baine-Omugisha ingressou em um programa-piloto chamado Chain Linked Initiative. Para melhorar o acesso à justiça criminal, a iniciativa incentivava a colaboração entre a polícia, os promotores, as prisões, os oficiais de liberdade condicional, as agências de assistência social e o judiciário. O programa deu tão certo que foi implantado em todo o país.

Não posso mudar sozinha a direção de Uganda. Mas cada intervenção que faço para mudar a perspectiva do cidadão comum em relação aos direitos humanos é uma boa contribuição.


Agora ela espera que sua bolsa a capacite a aplicar esse espírito de cooperação em uma escala maior. “Em Uganda, no momento, estamos lidando com questões de respeito ao Estado de direito, respeito pelos direitos humanos e corrupção”, disse Baine-Omugisha. Sua principal preocupação é a violência doméstica, um problema constante que decorre de uma combinação de fatores: preconceitos culturais e de gênero, dificuldades econômicas e falta de conscientização sobre o que realmente constitui violência doméstica. Ao educar os líderes comunitários sobre os gatilhos e efeitos da violência doméstica, bem como sua estrutura legal e política, ela espera mudar o foco para a prevenção, em vez de abordá-la após o fato.

Existe uma filosofia no sul da África chamada ubuntu que diz: “Eu sou porque você é”. É um lembrete de que ninguém pode existir sozinho. Baine-Omugisha diz que a bolsa a ajudou a redescobrir o valor desse conceito como uma abordagem de paz local, e ela pretende colocá-lo em prática. “Não posso mudar sozinha a direção de Uganda”, diz ela. “Mas cada intervenção que faço para mudar a perspectiva do cidadão comum em relação aos direitos humanos é uma boa contribuição. Se tivermos várias pessoas fazendo isso, poderemos causar mudanças significativas.”

Fikiri Nzoyisenga

Quando era mais novo, sempre que Fikiri Nzoyisenga lavava pratos, seus amigos não paravam de rir: “Por que você está lavando a louça? Isso é coisa de mulher.” Ele simplesmente ignorava. Em sua casa, as tarefas eram para meninas e meninos, assim como seu pai e sua madrasta dividiam as atribuições da cozinha e outras tarefas domésticas. “Isso não era normal,” afirma Nzoyisenga. “As coisas eram muito diferentes na minha casa em relação às outras”. Também havia uma outra diferença: como o seu pai era membro do grupo majoritário dos hutus, e sua madrasta era dos tutsis, o casamento deles foi proibido. “Mas eles se casaram mesmo assim”, diz o filho, “para mostrar que isso não era problema nenhum.”

No país fortemente patriarcal do Burundi, o exemplo de rebeldia de sua família causou uma grande impressão. “A maneira como fui criado por meu pai e minha madrasta moldou a pessoa que me tornei”, explica Nzoyisenga, 36 anos, fundador e diretor executivo da Semerera, uma coalizão de jovens com sede em Bujumbura que luta contra a violência de gênero e atua em três províncias do Burundi. “As mulheres da minha comunidade costumavam enfrentar muitos desafios ligados à cultura do Burundi, que considerava as mulheres inferiores aos homens”, diz ele. “É por isso que eu quis ser um defensor dos direitos das mulheres.”

Ao colocar em prática as lições de tolerância aprendidas com seu pai, Fikiri Nzoyisenga espera mudar a cultura patriarcal de Burundi.

Nzoyisenga sobreviveu a uma infância instável que incluiu guerras civis no Burundi e na República Democrática do Congo (onde viveu por cinco anos), estudou Direito e começou a trabalhar como voluntário em organizações de empoderamento das mulheres. Era apenas uma questão de tempo para que ele se tornasse um organizador comunitário. Por meio do Spark MicroGrants, ele liderou programas que empoderaram quase 3.000 famílias de mais de duas dezenas de vilarejos no Burundi. Com a Semerera, uma equipe de 14 pessoas já ajudou mais de 8.200 mulheres e meninas por meio de iniciativas socioeconômicas, capacitação de lideranças e orientação jurídica gratuita para vítimas de abuso e discriminação.

Nzoyisenga não ignora outro elemento crucial para a mudança: educar os homens sobre as desigualdades de gênero. “Não podemos falar de paz sem dar a todas as pessoas a oportunidade de viver com dignidade e contribuir para o desenvolvimento de suas comunidades”, afirma. “Como somos parte do problema, precisamos ser parte da solução”.

Depois de concluir sua Bolsa Rotary pela Paz, Nzoyisenga pretende expandir seu trabalho para mais duas províncias do Burundi, onde orientará outros jovens por meio de campanhas em torno da coabitação pacífica, da coesão e dos direitos humanos. “Meu pai me ensinou tolerância, aceitação e respeito pelos outros, não importando suas diferenças”, diz ele. “Com o tempo, esperamos que mais homens e mulheres no Burundi entendam que as coisas precisam mudar.”


“Fizemos um trabalho no campo para avaliar a situação na prática”, afirma Jew Moonde (à direita), caminhando com os bolsistas por uma favela de Kampala.

Ao concluírem sua sessão presencial de 10 semanas na Makerere University, os bolsistas nos contaram sobre esse tempo que passaram no novo Centro Rotary pela Paz. Ou pelo menos tentaram contar. “Não consigo explicar em palavras como essa experiência foi incrível para mim”, disse Rusare. “A bolsa me deixou ainda mais determinada a realizar minha iniciativa de mudança social com o jornalismo de paz. O projeto está finalmente tomando forma”.

Ela elogiou seus professores, que compartilharam “experiências práticas que facilitaram a compreensão de muitas abordagens teóricas” de consolidação da paz e resolução de conflitos. Moonde explicou detalhadamente essas abordagens, que incluíram instrução em métodos analíticos extraídos do mundo dos negócios; sessões conduzidas por representantes do Instituto para Economia e Paz (um parceiro do Rotary); e uma introdução às tradições dos povos nativos, como a cerimônia Mato Oput, que envolve a ingestão de uma erva amarga, praticada pelo povo acholi do norte de Uganda.

Os bolsistas compartilham uma refeição e muitas ideias. “Eles são um sistema de apoio mútuo”, diz Nambalirwa Nkabala.

Embora as restrições causadas pela pandemia tenham levado ao cancelamento de uma viagem planejada para Ruanda, os pacifistas tiveram muitas oportunidades de trabalho no campo, incluindo uma visita ao assentamento de refugiados Bidi Bidi, perto da fronteira de Uganda com o Sudão do Sul, e um encontro com sobreviventes dos catastróficos deslizamentos de terra no distrito de Bududa, também em Uganda. “Essas excursões nos permitiram ter experiências práticas relacionadas à consolidação da paz e à transformação de conflitos em comunidades afetadas pela migração e por desastres ambientais, bem como pela violência de gênero”, disse Baine-Omugisha.

Conheça os outros Bolsistas Rotary pela Paz de Makerere

Olusina Ajao
Nigéria; segurança e gerenciamento de crises

Eleanor Curl
Reino Unido; apoio psicossocial e tratamento de traumas

Sunny Dada
Nigéria; transformação de conflitos e prevenção da violência

Ronald Kasule
Uganda; direitos das pessoas com deficiência e defesa da inclusão

Pinkie Mothibedi
Botswana; empoderamento da comunidade e justiça social

Stephen Sempande
Uganda; proteção à juventude e desenvolvimento de serviços sociais

Thomas Sithole
Zimbábue; alfabetização midiática e informacional

Nobantu Taylor
Libéria; engajamento da sociedade civil e desenvolvimento de habilidades

Amina Warsame
Somália; políticas de igualdade de gênero e direitos humanos

Os bolsistas também interagiram com rotarianos locais, que trabalharam com a comissão da área do Centro Rotary pela Paz para servir como conselheiros de bolsistas recém-chegados. “Eles mostraram um pouco de Kampala e convidaram os bolsistas para suas casas e clubes”, disse Nkutu. “Apesar de viverem em um país com um histórico de conflitos, os rotarianos não sabiam exatamente como podiam se envolver. O Centro Rotary pela Paz despertou o interesse em aprender sobre as diferentes maneiras por meio das quais os rotarianos podem promover a paz e a prevenção de conflitos”.

“O ambiente do grupo inaugural é muito caloroso”, acrescentou Nambalirwa Nkabala. “Em pouco tempo, eles se adaptaram e se entrosaram uns com os outros. Eles utilizaram suas diferenças de personalidade e cultura para o bem, formando um sistema de apoio mútuo dentro do grupo”. Esse companheirismo entre os bolsistas os sustentará ao longo de 2021 durante o trabalho em suas iniciativas em seus países de origem. Isso também servirá de modelo para o próximo grupo de Bolsistas Rotary pela Paz em Makerere.

“Ter um Centro Rotary pela Paz na Makerere University significa muito para a África”, disse Mushaho ao The Wave, o boletim mensal publicado pelo Distrito 9211 (Tanzânia e Uganda). “É uma grande oportunidade para os africanos aprenderem e compreenderem que a paz é a base de todo desenvolvimento”.

Os bolsistas retornarão a Makerere no início de 2022. Voltaremos a conversar com eles para saber o que alcançaram, além do que se pode esperar do futuro do Rotary e da África.

O formulário de inscrição para bolsas em 2023-24 em todos os Centros Rotary pela Paz estará disponível em fevereiro de 2022. Os candidatos terão até 15 de maio de 2022 para enviar o formulário preenchido à Fundação Rotária. Os distritos terão até 1º de julho para enviar as inscrições endossadas à Fundação Rotária.