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Após um ano exaustivo de preparação, dois rotarianos e uma rotaractiana enfrentaram um último desafio antes de se juntarem à equipe de resposta de elite da ShelterBox

Por Produção de

No verão de 2016, Wes Clanton estava procurando algo para fazer. Se você o conhecesse e soubesse de sua agenda sempre lotada, isso poderia ter sido uma surpresa.

Oficial da marinha mercante, Clanton já passava seis meses por ano — embarcado a cada 60 dias — cruzando o Oceano Pacífico em um navio cargueiro. Também estava frequentando uma pós-graduação em busca de um grau avançado em gestão de transporte marítimo. Ou, como ele mesmo diz, "basicamente um MBA para condução de barcos".

  1. Wes Clanton, rotariano e fuzileiro naval da marinha mercante, e seus companheiros de equipe vão se encontrar de barco com os idosos de uma vila. 

  2. Clanton e seus colegas de equipe mostram aos instrutores que podem montar uma tenda da ShelterBox com rapidez e eficiência. 

  3. Clanton, no centro, e seus colegas de equipe participam de um exercício de treinamento de segurança.

  4. Clanton e os candidatos da equipe de resposta da ShelterBox reúnem seus pertences antes de um exercício. 

  5. Clanton presta atenção ao instrutor principal, Colin Jones, durante um briefing detalhado sobre os próximos exercícios. 

  6. Os candidatos tiveram vários dias de 16 horas durante o treinamento. Clanton demonstra um pouco de seu cansaço durante um briefing tarde da noite.

Mas um aspecto importante da vida de Clanton estava faltando. 

Quando ele era criança, seus pais, como ele diz, "haviam feito viagens missionárias", e incutiram nele a mesma paixão de retribuir à sua comunidade, seja localmente ou em escala global, uma das razões pelas quais ele se juntou ao Rotary. 

"O que me atraiu foi o aspecto do servir", explica. "Eu estava procurando fazer algo que fosse maior do que eu". (Na época, Clanton era associado do Rotary E-Club do Distrito 5010, Alasca-Yukon. Depois, foi transferido para o Rotary Club de Nashville, EUA.)

No entanto, ele queria fazer mais. "Eu estava procurando uma oportunidade de ser voluntário trabalhando em um projeto maior", lembra. Foi quando um amigo contou a Clanton sobre a ShelterBox.

Fundada em 2000 por um rotariano do Reino Unido, a ShelterBox fornece assistência em casos de desastres naturais e provocados pelo homem, oferecendo abrigo temporário e outras formas essenciais de ajuda que não a alimentar a pessoas deslocadas de seus lares em todo o mundo. 

Em 2004, depois que um tsunami deixou mais de 200.000 mortos em diversos países asiáticos, a ShelterBox estava lá. Como também estava presente após o terremoto de 2010 no Haiti e depois que o tufão Haiyan devastou as Filipinas três anos depois. Mais recentemente, a ShelterBox ajudou sobreviventes de furacões no Caribe, famílias deslocadas em Bangladesh e na Síria, e comunidades devastadas pela guerra no Iraque.

Sem saber o que esperar, Clanton, agora com 33 anos, decidiu se unir à equipe exclusiva de resposta da ShelterBox que anualmente espera duas missões de três semanas de cada um dos seus 163 voluntários rigorosamente treinados, dos quais cerca de 20% são rotarianos. 

"Desde a primeira vez que ouvi sobre a organização, pareceu a combinação perfeita para o meu horário de trabalho e meus interesses", explica Clanton. "Eu sabia que era algo que eu poderia fazer a longo prazo e utilizando meu tempo livre". 

O exigente processo de um ano de encontrar um local que contasse com a equipe de resposta da ShelterBox começou em dezembro de 2016, quando, após um teste on-line, um longo formulário de inscrição apareceu no e-mail de Clanton. "Lembro que pensei: 'isso é absolutamente insano'". "As demandas da inscrição eram enlouquecedoras. Para mim, tudo se resume ao voluntariado e em passar muito tempo servindo, mas, ao ver aquilo, não sabia se era o que eu queria".

Mas, para Clanton, o desafio acabou sendo parte do fascínio. Ele preencheu o formulário e, nos meses seguintes, tomou as medidas que o levariam para mais perto de se tornar um socorrista da ShelterBox. 

"Há uma quantidade razoável de trabalho que precisa ser feito", relata. "Entregar itens solicitados, ler muitos documentos, assistir a vídeos etc. Conciliar isso com meu trabalho e a pós-graduação foi extremamente cansativo".

Cerca de 350 candidatos iniciaram o processo junto com Clanton. Onze meses depois, a ShelterBox convidou apenas 20 deles para a Cornualha, na Inglaterra, onde um instrutor bem direto anunciou: "este é o seu exame final". Um desses 20 era Wes Clanton.

 

"As demandas da inscrição eram enlouquecedoras."

Wes Clanton, rotariano e voluntário da ShelterBox

Dobre, mas não quebre 

Estendendo-se até o Canal da Mancha, a Península Lizard na Cornualha é o ponto mais meridional da Inglaterra. 

"A península é uma área maravilhosa para realizar treinamentos para a ShelterBox", comenta Colin Jones, um homem esbelto com braços cobertos de tatuagens que atua como instrutor principal. "É muito sombrio, não há muito por perto e chove muito, o que deixa as pessoas infelizes e é realmente útil".

Durante o treinamento, os candidatos finais passam dias em sala de aula aprendendo habilidades que podem ser inestimáveis durante suas missões. Divididos em equipes, também cruzam a Cornualha e lidam com diferentes cenários de desastres simulando situações que podem ocorrer. 

"Escolhemos uma série de elementos que os prepararão física e mentalmente para realizar a primeira missão", explica Jones, que é auxiliado por outros três instrutores. 

"Estamos aqui para surpreendê-los o máximo possível", acrescenta Bruce Heller, associado do Rotary Club de Allen Sunrise, EUA. Veterano já com 10 missões da ShelterBox, Heller é uma das nove "sombras" na Cornualha que monitoram e orientam os voluntários.

Liz Odell é outra sombra. Associada do Rotary Club de Nailsworth, na Inglaterra, já esteve em 18 missões. 

Ela lembra que o regime de treinamento que enfrentou foi mais exigente fisicamente, embora talvez menos eficaz. "Chovia constantemente, estávamos mal alimentados e gritavam muito conosco. Foi muito difícil aprender qualquer coisa nessas condições. O treinamento agora é mais direcionado e equilibrado". 

E deprimente. Não vamos esquecer que é deprimente.

Ned Morris é alguém que não fica abalado quando é surpreendido com desafios inesperados. Produtor e consultor de vinhos e ávido aventureiro, ele também é uma espécie de escoteiro: complementou seu treinamento de um ano na ShelterBox com um programa pesado de 10 dias na natureza selvagem em Wyoming, além de aulas de reanimação cardiorrespiratória e primeiros socorros com a Cruz Vermelha.

Associado do Rotary Club de Walla Walla, EUA, Morris, de 48 anos, começou como embaixador da ShelterBox, viajando pelo noroeste do Pacífico para aumentar a visibilidade da organização e a arrecadação financeira para ela. Também participou da experiência em campo para embaixadores da ShelterBox, um evento de três dias no Texas que simula a missão de uma equipe de resposta da ShelterBox. 

  1. Apenas com a luz da sua lanterna de cabeça, Ned Morris monta uma tenda da ShelterBox. 

  2. Os candidatos trabalhavam até tarde da noite se preparando para as atividades do dia seguinte. Aqui, Morris lê um manual da ShelterBox. 

  3. Os candidatos tinham que estar em constante comunicação com a equipe de treinamento. Morris conversa sobre a estratégia da sua equipe com os mentores da ShelterBox.

  4. Morris, ao centro, e seus colegas de equipe montam um ShelterKit durante um exercício de treinamento. 

  5. Morris se espreguiça após um longo dia de 16 horas. 

"Vivenciamos alguns dos obstáculos pelos quais as equipes de resposta da ShelterBox têm que passar e nos deparamos com muitas das dificuldades com as quais os voluntários precisam lidar, como repórteres com microfones na sua cara. Isso nos deu uma ideia do que acontece quando eles estão em uma missão", relata.

Com o apetite aguçado, Morris se candidatou para se tornar um socorrista completo da ShelterBox, embarcando no mesmo processo de um ano que Wes Clanton. Como etapa final antes da missão na Cornualha, juntou-se a Clanton e a 14 outros candidatos para uma avaliação de quatro dias em campo fora de Toronto.

"Eu não tinha ideia do que esperar", confessa Clanton. "A ShelterBox descreveu muito especificamente que equipamento de acampamento era preciso levar e disse que estaríamos preparados com ele".

Clanton é bem econômico ao falar sobre a experiência. "Não posso contar muitos detalhes sobre o que realmente aconteceu". Morris, por outro lado, é um pouco mais aberto. 

Ele revela que não foi tão físico quanto esperava, embora reconheça alguns desafios psicológicos. "Eles nos apresentaram cenários onde havia uma quantidade limitada de ajuda e muito mais beneficiários precisando dela. Ter que tomar as decisões cruciais de quem obteria assistência e por que foi de partir o coração. A parte mais difícil para mim foi saber que não podemos ajudar todos e que, quando eu estiver em missão, farei parte da equipe que tomará essas decisões. E não será fácil".

 

"A parte mais difícil para mim foi saber que não podemos ajudar todos e que, quando eu estiver em missão, farei parte da equipe que tomará essas decisões".

Ned Morris, rotariano e voluntário da ShelterBox

Da praticabilidade à realidade 

A reticência de Clanton na verdade é o procedimento padrão da ShelterBox. 

Quando visitei a Cornualha, a organização não me permitiu ver todos os aspectos do treinamento, como as sessões noturnas de debriefing. Eu também não estava autorizado a relatar tudo o que vi. 

Manter o segredo quanto a certos detalhes do regime de treinamento é um elemento-chave do sucesso do programa. Ao participar de uma missão, os socorristas da ShelterBox não têm ideia de quais surpresas podem encontrar. A ShelterBox pondera que isso também não deve acontecer com os voluntários quando se aproximam de seu exame final. Como Clanton diz: "Você precisa ser você mesmo reagindo nessas situações".

Parcerias

O Rotary e a ShelterBox são parceiros de projetos na assistência internacional em casos de desastre. A ShelterBox, instituição de caridade registrada, é independente do Rotary International e da Fundação Rotária.

Como fazer parceria com o Rotary
Como os clubes trabalham com parceiros
Rotary e a assistência em casos de desastre

Ainda assim, após ter visto os procedimentos de treinamento de perto, e sem revelar os segredos da ShelterBox, eu diria o seguinte a um candidato a caminho dos sombrios terrenos arenosos da Cornualha. Esteja preparado para comer pouco e dormir menos ainda. Esteja preparado para ondas ruins e tempo ainda pior. Esteja preparado para uma inquietação repleta de apreensão. Esteja preparado para aprender com os treinadores e as sombras e ser testado por eles. Acima de tudo, esteja preparado para o inesperado — e esteja preparado para ainda mais coisas inesperadas logo depois do inesperado.

Isso faz parte do rigor do exame final. É uma tática da ShelterBox simular o que acontece com frequência na vida real seguido por uma situação dramática, e até mesmo perigosa, como, por exemplo, uma reunião urgente e tensa com representantes importantes da Organização das Nações Unidas ou de alguma outra organização humanitária. 

Não importa o que tenham acabado de enfrentar, os voluntários devem responder de forma sucinta a perguntas detalhadas, enquanto fazem perguntas essenciais. 

Morris diz que foi muito desgastante. "Você realmente tem que permanecer focado. Não pode estar no piloto automático". Até mesmo tarefas mundanas podem ter uma reviravolta inesperada, como quando um chefe de polícia concorda em fornecer um visto necessário, somente se os voluntários garantirem tendas aos policiais que perderam suas casas em uma inundação, uma violação da política da ShelterBox. 

Ao longo do caminho, os voluntários também adquirem algumas habilidades médicas avançadas. "Temos profissionais médicos experientes fazendo um treinamento realmente visceral em diversos cenários que esperamos nunca enfrentar", diz Jones. "Mas sabemos que, se essas situações ocorrerem, nossos socorristas serão capazes de lidar com elas quando estiverem em missão".

Outro cenário, realizado em um abrigo temporário, provocou uma resposta emocional inesperada de uma mulher australiana, cuja curva de aprendizado demonstrou como o treinamento da ShelterBox pode ser eficaz. Essa história eu posso contar. 

  1. Durante um exercício noturno, a rotaractiana Katelyn Winkworth, à direita, repassa tarefas com seus colegas de equipe.

  2. Winkworth reage às últimas instruções do exercício. A quantidade de informação que as equipes precisavam entender durante o treinamento era densa.

  3. Winkworth encaixa varas em uma barraca da ShelterBox. É um dos primeiros passos ao montar uma barraca. 

  4. Winkworth lê seu documento de segurança durante um exercício noturno. 

  5. Winkworth pensa na estratégia da sua equipe para as atividades de treinamento do dia seguinte.  

  6. Winkworth prepara uma barraca da ShelterBox durante um dos últimos exercícios. Os instrutores da ShelterBox avaliavam a eficiência com que as equipes conseguiam montar uma barraca. 

Katelyn Winkworth herdou de seus pais um zelo por realizar boas ações. A jovem de 27 anos, presidente do Rotaract Club de Brisbane Rivercity, viaja pela Austrália como oficial de promoção da saúde dos povos indígenas. 

"Entro em comunidades rurais, descubro alguns dos grandes problemas de saúde e desenvolvo programas para lidar com essas questões", ela explica. "Pode ser bem difícil, mas é recompensador".

A ShelterBox parecia uma combinação natural para Winkworth, exceto por um problema: ela não tinha autoconfiança. 

"Em todas as fases do processo de verificação, eu pensava: 'não vou conseguir passar'. E então eu conseguia. Daí eu pensava: 'dessa rodada não passo'. Quando cheguei ao primeiro dia do treinamento de quatro dias, pensei: 'eu deveria simplesmente arrumar a mala e voltar para casa. Isso é absurdo. Não serei escolhida'".

Colin Jones entende como a avaliação — e a sessão na Cornualha — pode ser algo massacrante. 

"Realizamos um exercício após um cenário após um exercício, o que realmente leva os candidatos ao extremo", explica ele. "Depois de cada exercício, eles precisam fazer o debriefing e fornecer feedback uns aos outros, o que se torna quase instintivo. Os que têm bom desempenho são aqueles que podem receber esse feedback e usá-lo na próxima vez".

Foi o que aconteceu com Winkworth. 

"Não sou uma pessoa obstinada, que geralmente expressa abertamente suas opiniões ou que assume muito a liderança", explica. "Passei o primeiro dia e meio da avaliação de quatro dias querendo contribuir mais, mas me segurando. E então, na segunda noite, eles me deram uma grande posição de liderança. Foi então que percebi: 'ah, as pessoas vão me ouvir'. Ou, 'eu posso fazer boas escolhas que as pessoas vão apoiar'. Minha insegurança recuou em segundo plano. Se eu não tivesse tido essa oportunidade, não teria percebido isso. Eu me impressionei e pensei: 'ah, eu posso fazer isso, o que é realmente agradável'". 

E foi assim que ela conseguiu um convite para a Cornualha.

A equipe de Winkworth costumava se abraçar para trocar entre si palavras de encorajamento e apoio. "Isso ajudou na dinâmica da equipe", diz Winkworth. 

No meio do caminho, Jones designou Winkworth como líder de sua equipe. "Tive dificuldades no começo", ela lembra. "Há medo, entusiasmo e muita ansiedade quando você é responsável por uma equipe, pela direção que ela toma e pelas decisões feitas. Estávamos muito cansados e achei muito difícil me comunicar de forma clara e concisa".

Mas, com o passar dos dias e com as lições aprendidas anteriormente, a capacidade da equipe de colaborar melhorou. 

"Ser capaz de trabalhar em conjunto com rapidez é algo que deve ser aprendido", sugere Winkworth. "Melhoramos em identificar os pontos fortes e fracos do nosso grupo".

Ela também se viu emocionalmente envolvida quando sua equipe visitou uma universidade realocada como abrigo temporário para 500 pessoas. 

Nesse cenário, o espaço estava superlotado, os banheiros eram inadequados e havia pouca comida. 

"Ficou realmente claro para mim o que é estar em campo, observando pessoas confusas de quem foi tirado tudo: suas famílias, as pessoas que amam, suas casas. Fiquei muito abalada, apesar de ter sido um cenário simulado", conta.

Sua resposta revela a principal motivação de Winkworth. 

"O conceito de que todos têm direto à dignidade é importante para mim, assim como é ajudá-los a manter sua dignidade no pior dia de suas vidas", diz. "Ser capaz de levar isso a um desastre e permitir que as pessoas assumam o controle de sua vida novamente é algo que admiro e no qual quero estar envolvida".

Após 10 longos dias, o treinamento é concluído. Os candidatos da ShelterBox estão exaustos e, após terem subsistido nos últimos dias com porções de comida escassas, conhecidas como "ração de combate", estão famintos. 

A provação teve o seu preço, e não apenas nos voluntários. Enquanto entrega aos candidatos seus cartões de identificação da equipe de resposta da ShelterBox — porque, sim, todos passaram no exame final — Colin Jones parece estar segurando as lágrimas. Sua aparência de cara durão desapareceu.

Alguns meses depois, na Austrália, Katelyn Winkworth aguarda sua primeira missão.

A ShelterBox enviou Wes Clanton para Madagascar em janeiro, após um ciclone ter matado mais de 50 pessoas e desalojado 54.000. E, no final de fevereiro, Ned Morris voou para a República Dominicana e Barbuda para passar três semanas avaliando a resposta aos furacões Irma e Maria. 

"Estou nervoso e animado", disse ele antes da partida. "Mais importante, estou pronto". 

 

"O conceito de que todos têm direto à dignidade é importante para mim, assim como é ajudá-los a manter sua dignidade no pior dia de suas vidas".

Katelyn Winkworth, rotaractiana e voluntária da ShelterBox